sábado, 7 de março de 2009

Três coisas

Eram três coisas: Bolos (fora todas as comidas estranhas), sushi (fora o meu cheddar roubado), e morangos (fora tudo o que eu neguei). Cada um com suas histórias.

Houve o começo, onde tudo era mágico, e eu era diferente, quase outra pessoa. Eu ficava sentado no enorme e antigo sofá no canto da sala de TV, que era estranha (como tudo mais), mas era confortável e feliz. Assistíamos nossas coisas estranhas, ela saía para a cozinha (também muito estranha por sinal).

Se ouvia algo do tipo "Mãe, onde tá a luva?!". Eu nem prestava mais atenção à TV, ficava apenas ouvindo o som meio atrapalhado que ela fazia enquanto mexia nas panelas, eu a esperava sozinho na sala (nunca conseguimos uma desculpa, né? - aliás, nunca conseguimos nada além de uma desculpa).

Nunca fui de falar muito, e ela chegava sorridente e com os olhos brilhando (ah, aquele sorriso e aqueles olhos...), segurando nas mãos um prato com um bolo recém-feito. Havia uma mesa de madeira com bancos de madeira, onde ela partia o bolo. Nem estava tão bom, mas eu sempre elogiava. Ela se levantava e ia à procura de mais coisas estranhas para me mostrar. Eu via todas elas. Nunca vou esquecer dos bolos, os cachorros-quentes, o seu riso e o seu rosto enquanto sorria ou mesmo séria, enquanto eu mexia na sua guitarra desafinada.

Houve o tempo social, no qual descobri muita coisa falsa. Era outro ambiente, outras pessoas. Nunca largávamos a sinuca, não porque gostássemos, mas dava um certo enfeite à imagem de um garoto, jogar sinuca à fumaça de um cigarro (que era, na verdade, mais que um cigarro).

Esse foi o tempo de garotas belíssimas em nossos (nesse tempo haviam amigos) colos, onde estivéssemos haviam sempre duas vezes mais garotas. Eu só me interessava por uma - a errada (que depois encontrei numa cena quase pornográfica com um dos meus melhores amigos, que depois descobri não existirem). Mas ainda não era ela. Só depois da triste desilusão percebí que quem eu procurava sempre havia estado comigo, e ria das minhas piadas.

A casa dela era sempre familiar, e toda vez que ela falava eu tinha vontade de abraçá-la. Passamos vários dias inteiros trancados em seu quarto, e de vez em quando ela surtava por sushi. Era tudo tão simples e fácil. Eu não fazia idéia de quanta falta sentiria das suas crises, e de quando ela agarrava meu braço e cochilava em meu ombro.

E em seguida (mas não tão próximo) veio o tempo das sextas-feiras cansadas, em que chegava em casa com preguiça de tirar a barba (embora já estivesse ridícula) e ficava ouvindo Beatles, escrevendo poemas sem parar. Também foi nesse tempo que o resto da minha vida se complicou, e eu sabia que iria, mas isto não vem ao caso agora.

Esse foi um tempo do qual não tenho muito o que falar, embora tenha sido marcante e determinante. Ela achava minhas palavras bonitas, e eu amava vê-la feliz. Sempre gostei do sorriso dela, e descobri que, de uma forma diferente, éramos exatamente iguais. Houve amor, música, pena, decisóes( talvez passividade) e campos de morangos. Para sempre (ela não riu da piada. Da piada disso, da piada de tudo).

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por Orpheo

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